Entrevista: Paulo
Cardoso, astrólogo português
Por George Jorge e Márcia Bernardo

O astrólogo
português Paulo Cardoso nos concedeu esta entrevista exclusiva
no final do ano passado (2010) quando estava prestes a publicar sua
nova obra sobre Fernando Pessoa. Paulo que nasceu e vive em Lisboa,
é um dos mais renomados astrólogos em seu país,
além de pintor e ensaísta, publicou por volta de 33 livros.
Nosso interesse nessa entrevista é saber sobre o desenvolvimento
da Astrologia em Portugal e também sobre o vasto material de
Fernando Pessoa no qual teve acesso.
O autor acabou de lançar “Fernando Pessoa – cartas
astrológicas” (Ed. Bertrand) junto com Jerônimo Pizarro,
um reputado pessoano, doutor pelas Universidades de Harvard e de Lisboa.
O livro trata da interpretação das cartas astrológicas
de FP sobre personalidades mundiais, Portugal, dos seus heterônimos
e como a Astrologia se insinua na obra de um dos maiores poetas portugueses.
Fernando
Antônio Nogueira Pessoa (13/06/1888 - 30/11/1935).

Mapa astrológico de Fernando Pessoa
feito pelo próprio
Fernando
Pessoa
Nascido sob o signo de
Gêmeos, ascendente em Escorpião e a Lua em Leão,
Fernando Pessoa apresenta em seu mapa astrológico as configurações
de quem naturalmente possui um comportamento introvertido. A posição
de seu Sol em Gêmeos, signo da comunicação e dos
escritos, na casa 8 (setor do Escorpião) e o Ascendente em Escorpião
reforça e retrata a densidade e a intensidade de quem viveu uma
vida com muitos questionamentos e a busca do desconhecido. Seu próprio
signo de nascimento não poderia ser outro, de muitas facetas,
para ter criado tantos heterônimos para, quem sabe, expor suas
múltiplas faces ou encarnações.
ENTREVISTA
Astrólogo, pintor e ensaísta, publicou até ao momento
30 livros. Oriundo de uma família de músicos e artistas
plásticos, Paulo Cardoso nasceu e vive em Lisboa
EM - Como a Astrologia é vista
em Portugal?
PC - Portugal ainda é um país muito tradicionalista.
Há trinta e tal anos atrás, quando comecei a trabalhar
mais activamente nesta área, ainda o era muito mais. Os primeiros
anos foram bastante difíceis, pois havia um preconceito muito
maior e uma grande desconfiança em relação a tudo
aquilo que o estado, a Igreja Católica ou a tradição
não via com bons olhos (tínhamos acabado de sair de uma
ditadura de várias décadas e que tinha exercido uma censura
feroz sobre o livre pensamento, a cultura, etc.).
Hoje esta situação alterou-se muito, e, em certos casos,
virou no oposto. Há um grande número de pessoas a interessar-se
por estas filosofias e, em quase todos os bairros da cidade existem
escolas de diversos saberes. Isso dispersa um pouco os interessados
pois já não têm noção daquilo que
é mais credível, mais profundo ou mais superficial. Com
tanta oferta, em certos casos, quase se tornou um negócio, e
é mais difícil perceber quem são os bons profissionais
dentro destes ramos.
EM
- Quais trabalhos você exerce com a Astrologia?
PC - Deixei de dar consultas há quase quinze
anos para me dedicar, quase em exclusivo ao ensino da Astrologia. Embora
já desse aulas havia vários anos, só nessa altura
me concentrei em criar um Curso, com vários anos lectivos, uma
estrutura, uma sequência didáctica e capaz de dar aos alunos
uma visão simultaneamente teórica e prática sobre
a Astrologia. Para mim, ensinar técnicas de aconselhamento é
tão importante como responsabilizar os meus alunos por aquilo
que eles dirão aos seus consultantes, e o modo como o farão.
Dei quase vinte mil consultas e muitas das pessoas com quem falei vinham
traumatizadas por frases ou más interpretações
que lhes tinham sido feitas por outros indivíduos, que em muitos
casos se diziam astrólogos sem o serem na verdade, sem terem
sequer levantado o horóscopo pessoal do “cliente”.
Dentro da Astrologia escrevo livros, dou conferências, promovo
palestras, cursos e outros acontecimentos culturais no meu espaço,
em Lisboa.
EM
- Como ocorreram suas investigações de Fernando Pessoa?
PC - Comecei a fazer a investigação em
1981, no próprio espólio do poeta, que está na
Biblioteca Nacional de Portugal, e a publicar alguns resultados sob
a forma de ensaios a partir de 1990. A partir dessa altura usei sobretudo
as palestras, exposições, instalações, vídeo
e artigos na imprensa para divulgar os resultados. Como se poderá
ler no curriculum, alguns desses trabalhos foram apresentados no Rio
de Janeiro e em S. Paulo.
EM
- Quais os materiais você teve acesso?
PC - Felizmente tive acesso a tudo aquilo que Pessoa
deixou escrito e que estava na célebre arca (são cerca
de 27.000 documentos) guardada pela família. Eram cadernos, agendas,
páginas soltas, escritas à mão ou dactilografadas
pelo escritor/astrólogo. Digo felizmente, pois, actualmente,
a grande maioria desse material já nem sequer se pode tocar.
Apenas se podem consultar os microfilmes, o que nem sempre é
suficiente para fazer um trabalho mais científico, e assim datar
alguns dos textos: é necessário comparar texturas de papel,
tipos de tinta ou de grafite com que Pessoa trabalhava, etc.
EM
- Qual o uso Fernando Pessoa fazia da Astrologia? Como era praticada?
PC - O uso era vastíssimo, desde a análise
profunda da sua vida, da sua personalidade, da compreensão do
carácter dos seus amigos e conhecidos até à criação
dos heterônimos. Também encontrei um total de 318 horóscopos
feitos para as mais diversas personalidades nacionais e internacionais,
desde pintores, filósofos, políticos e artistas. Este
material é tão vasto que estou a pensar publicar vários
volumes sendo cada um dedicado a cada uma destas áreas da vida
do escritor.
Estou a acabar de escrever um livro (o meu desejo é que seja
o primeiro de uma nova série) com cerca de 250 páginas
sobre todo este material astrológico pessoano.
EM
- Existe alguma referência de como Fernando Pessoa aprendeu Astrologia?
PC - Ele foi um autodidacta. Correspondia-se com astrólogos
e editoras estrangeiras quando tinha dúvidas, ou para trocar
impressões (ver imagem 1). Na sua biblioteca existem inúmeros
manuais de Astrologia, muitos deles de Alan Leo, autor que publicou,
em Londres, muitas obras no princípio do século XX. Havia
dois ou três amigos que também gostavam do assunto e com
os quais trocava ideias e fazia análises.
Imagem 1:

EM
- Sabemos que os heterônimos tinham seu mapa astrológico.
Poderia nos acrescentar mais algumas informações?
PC - É verdade. No caso de Álvaro de
Campos até existem dois, um pouco diferentes, pois eles tinham
de ser compatíveis com a personalidade e vida que Pessoa atribuía
a cada um destes personagens. Assim, neste caso, o escritor estava a
ver qual destes dois horóscopos era o mais condizente com a personalidade
e a vida do “engenheiro naval” Álvaro de Campos.
A vida e a criação da obra, nomeadamente no caso de Alberto
Caeiro, tinha rigorosamente a ver com as posições planetárias
do seu mapa do céu. A própria altura da morte deste heterônimo
tem a ver com circunstâncias astrológicas envolvendo o
Ascendente e o regente da Casa VIII (casa das perdas e morte).

Mapa astrológico de Ricardo Reis, confeccionado
por Fernando Pessoa
EM
- Um dos heterônimos, Raphael Baldaya, era astrólogo.
PC - Sim, é verdade. Creio ter sido eu a publicar
em primeira-mão (Mar Portuguez - e a simbólica da Torre
de Belém, Editoral Estampa, Lisboa, 1991) alguns dos textos teóricos
desse heterónimo, destinados a um provável Tratado de
Astrologia, de autoria de Pessoa/Baldaya. Tenho vindo a publicar alguns
dos resultados da minha investigação em diversos meios
de comunicação social, e em livros realizados em torno
de Pessoa ou acerca da época em que viveu.
EM
– Fernando Pessoa realizava consultas particulares?
PC - Encontrei sobretudo longos textos (de 3 a 17 páginas
dactilografadas) com interpretação de horóscopos
de pessoas das suas relações. Como algumas dessas análises
eram os duplicados dos textos, suponho que terá entregue os originais
aos interessados. Agora se, para além das consultas escritas,
dava mesmo consultas pessoais, não consegui até agora
comprovar, mas é natural que o tenha feito.
Também publiquei em 1991 o documento em que Pessoa se anunciava
como astrólogo e os preços que tencionava receber por
cada trabalho (ver imagem 2).
Imagem 2:

EM
- Pessoa deixou, em texto, alguma interpretação de seu
próprio mapa astrológico?
PC – Sim, realizou imensas interpretações
sobre seu horóscopo natal, sobre as suas progressões,
revoluções solares e lunares. São textos curtos
e outros mais completos que contêm uma, duas ou mais páginas.
O problema é a dificuldade de leitura que apresentam, pois alguns
deles são escritos a lápis e praticamente ilegíveis.
EM - Existe algum material que FP estava
preparando para publicar sobre Astrologia?
PC - Sim, havia bastante material, inclusivamente alguns
documentos em que ele assinala a figura que queria incluir no texto
a ser publicado. Muitos dos textos teóricos também parecem
estar concluídos e preparados para serem editados. Os mais desenvolvidos
serão, talvez, uma centena. O grande problema continua a ser
a leitura dos manuscritos pois, apesar de eu estar muito adiantado no
trabalho, alguns deles contêm frases praticamente indecifráveis.
Uma boa parte deste montante, eu já tenho vindo a publicar em
livros, revistas e mostrado em palestras, um pouco por todo o lado.
Em muitas das conferências que fiz no Paço Imperial, no
Rio de Janeiro, e no SECS Consolação, em S. Paulo eu mostrei
justamente esse material.
EM
- Pelo seu conhecimento e acesso às informações,
como definiria FP como astrólogo?
PC - Os seus conhecimentos eram tão profundos
que ele realizava técnicas bastante complexas tais como: progressões,
direcções primárias e secundárias, trânsitos,
revoluções solares e lunares. Isto dá uma ideia
do tipo de relação e de profundidade com que ela trabalhava
com a Astrologia.
EM
- Dos materiais de FP catalogados por você, pretende publicá-los?
PC - Já foram publicados dois volumes, tal como
foi dito atrás e, em breve, vão ser publicados mais dois
volumes sobre este assunto. As conclusões do trabalho têm
sido muito divulgadas nas palestras que faço regularmente. Ainda
recentemente ocorreram em Lisboa e no Estoril dois Congressos em que
divulguei muitos dos resultados da investigação. Também
no site “Os Quatro Elementos” eu estou a publicar os novos
resultados da pesquisa. Convido os leitores interessados a fazer uma
visita ao local, pois encontrarão lá muita informação
que aqui não poderei difundir, pois é mais complexa. Eu
já lá publiquei, e vou continuar a divulgar muitas das
imagens dos próprios manuscritos de Pessoa que encontrei no Espólio.
Também no Facebook tenho divulgado algum desse material, sobretudo
aquele que me parece ser mais acessível.
Quem quiser algum esclarecimento sobre este assunto, poderá deixar
lá a sua mensagem. Nem sempre estou disponível para responder,
pois há muitas perguntas e contactos, mas sempre que posso dou
um avanço nas respostas. Para me justificar antecipadamente perante
aqueles que eventualmente lá forem, posso dizer que só
em Agosto passado (2010) tive 893.718 visualizações, o
que torna por vezes este processo muito difícil de gerir.
EM
- Além da Astrologia, FP desenvolveu um grande interesse pelo
Esoterismo.
PC - Sim, Hi-Ching, Tarot, Numerologia, Cartomancia
eram algumas das áreas sobre as quais o poeta tinha muito interesse.
EM
- Qual a relação de FP com o mago Aleister Crowley*?
PC - Há uma série de autores que estudaram
e publicaram muito material sobre esse tema. Como se sabe, eles conheceram-se
pois Pessoa descobriu uma “gralha” (falha) no horóscopo
de Crowley, que tinha sido publicado num livro seu e a partir daí
trocaram muita correspondência. Um sobrinho de Pessoa publicou
toda essa correspondência numa obra dedicada às relações
entre eles. O livro tem o título: Encontro Magick – Fernando
Pessoa/Aleister Crowley , Miguel Roza, Hugin Editores, Lisboa, 2001.
(*Aleister Crowley (1875-1947)
- dono de uma personalidade controversa, é conhecido como um
dos maiores magos do século XX, autor de livros sobre ocultismo,
escritor, poeta, líder de um culto chamado Ordo Templis Orientis
(OTO), responsável pela fundação da doutrina Thelema.
Vários astros do rock, entre os anos 60 e 70, foram seus seguidores).
Para mostrar um horóscopo
desenhado por Pessoa, incluo aqui precisamente o do mago inglês
(ver imagem 3).
Imagem 3:
